segunda-feira, 10 de março de 2008

Educação Infantil: Direito da criança, opção da família e dever do município

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n° 9394 de 20 de dezembro de 1996, na esteira da constituição cidadã de 1988, reconheceu a educação infantil como direito das crianças pequenas, opção da família e dever do Estado, como nos mostra a pesquisadora Ana Beatriz Cerisara, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC):

“(…) a LDB também pela primeira vez na história das legislações brasileiras proclamou a educação infantil como direito das crianças de 0 a 6 anos e dever do Estado. Ou seja, todas as famílias que optarem por partilhar com o Estado a educação e o cuidado de seus filhos deverão ser contemplados com vagas em creches e pré-escolas públicas. (CERISARA, 2002, p. 331)”.[grifos meus]

Isso significa que esse nível da educação básica deixou, ao menos na letra da lei, de fazer parte das fileiras políticas assistenciais e passou a constar nos sistemas oficiais de educação, coordenados pelas Secretarias Municipais de Educação. Tal movimento está longe de ser apenas troca de rubricas orçamentárias, ele explicita a mudança de concepção da função da educação infantil, uma mudança de paradigmas.


A creche e a pré-escola que assiste filhas e filhos da classe trabalhadora, na qual o atendimento se resume “à guarda, alimentação, cuidados com a saúde e a higiene e formação de bons hábitos de bom comportamento na sociedade” (SILVA, 1999, p. 41), herdeira das rodas dos expostos, dos asilos infantis e orfanatos de outrora, dá lugar à instituição de educação específica para os pequeninos, que conjuga o educar ao cuidar e trata a criança como sujeito de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento, e não mais como um vir a ser, um adulto em miniatura. Isso significa assumir a globalidade do atendimento à criança pequena que necessita tanto de cuidados às suas necessidades básicas como de suas necessidade educativas.

“Assim, o ato de cuidar deixa de ter uma conotação assistencialista e pode adquirir um caráter educativo se for visto como um momento privilegiado de interação entre criança-criança e criança-adulto, ao mesmo tempo em que o ato de educar perde aquele caráter exclusivamente escolar, com ênfase no treinamento para as séries iniciais e com a preocupação exacerbada com o intelecto (idem, p.43)”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1992, também foi um marco no que diz respeito à regulamentação dos direitos das crianças. O ECA, além de reconhecer o direito dessa à educação, estabelece o desrespeito a esse como crime e ainda indica o Conselho Tutelar como órgão fiscalizador e a vara da infância e da juventude como instância judicial que deve garantir o cumprimento dessas leis e julgar a sua violação.


Como pudemos ver, a legislação nacional desde a constituição (1988), passando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1992) e chegando à LDB (1996), vem incorporando na letra da lei conceitos que os estudiosos dessa faixa de idade têm demonstrado ao longo dos anos.


Ao mesmo tempo em que reconhecem as importantes transformações legais, pesquisas realizadas com o intuito de analisar as políticas para a educação infantil, avaliando a aplicabilidade dessas leis nos contextos municipais, têm chegado às conclusões não satisfatórias, demonstrando a debilidade dos sistemas em atender à demanda de matrículas e a incapacidade de operar a mudança de mentalidade para o novo entendimento sobre a educação dos pequenos em detrimento daquele de orientação assistencialista, na qual os critérios de matrícula consideram não o direito da criança e da família, mas a sua condição socioeconômica, principalmente se a mãe trabalha ou não.


Infelizmente esse é o caso de Itajubá!


Onde as explicações sobre a falta de vagas informam que a Educação Infantil não é obrigatória, ou que a LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) não fala nada sobre a obrigatoriedade, ou ainda que com o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério) só há dinheiro para o ensino fundamental.


Vale lembrar ao leitor não acostumando com essas siglas e com a legislação educacional, que a LOAS trata da assistência social e nada tem a ver com a Educação Infantil, que tem a LDBEN como lei reguladora. Essa confusão demonstra que ainda se considera, na cidade, a creche e a pré-escola como política assistencial e não como política educacional! Também, dizer que o FUNDEF é culpado para a falta de dinheiro para o nível em questão é no mínimo desconhecimento sobre o assunto, o que ao meu ver não pode acontecer dentre os dirigentes da educação municipal, desde a secretária até os diretores e vice-diretores das instituições.


O FUNDEF diminuiu a verba que o município dispunha para a educação infantil, mas não acabou com a mesma. Pela lei, a verba carimbada para o ensino fundamental é de 60% do montante para a Educação. Ou seja, de todo o dinheiro da educação no município, que é 25% dos impostos e taxas municipais, 15% são recolhidos ao fundo e repassados ao município de acordo com o número de matrículas, devendo ser utilizados exclusivamente com a manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e com a valorização do magistério municipal. Os outros 10% não são devolvidos ao fundo, ficando na conta da Secretaria Municipal de Educação, devendo ser usada na Educação infantil, pois como sabemos uma cidade não pode manter outro nível de ensino (Médio ou Superior) sem que atenda em 100%, em quantidade e qualidade a educação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental. Portanto não é verdade que não há dinheiro! O que não há é vontade política por parte dos dirigentes, que ou desconhecem as leis, ou as distorcem com a intenção de enganar o povo.


Ano passdo a vara da infância e da juventude de São Paulo determinou, com base na Constituição, LDB e principalmente no ECA, que o município matriculasse aproximadamente cindo mil crianças em creches e pré-escolas de sua rede, sob pena de multa diária e o prefeito ser responsabilizado civil e criminalmente por violar o direito à educação das crianças e dos pais.


Cabe à população de Itajubá lutar por seus direitos, na rua e na lei. Isso significa, não aceitar as explicações estapafúrdias dos dirigentes municipais de ensino e denunciar ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público a falta de vaga na rede, e ainda através de manifestações públicas organizadas, pressionar a prefeitura a cumprir com suas obrigações, sob pena de perder seu voto, o qual acredito não esta merecendo desde o primeiro dia do mandato.


Educação pública, gratuita e de qualidade é direito fundamental da criança, da família e obrigação do estado. Nenhum milímetro a menos!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS
CERISARA, Ana Beatriz. O referencial curricular nacional para a educação infantil no contexto das reformas. In: Educação e Sociedade, Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 329-348.
SILVA, Anamaria Santana da. Educação e assistência: Direitos de uma mesma criança. In: Pro-Posições, Campinas, vol. 10, n. 1(28), março/1999, p. 40-53

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